sábado, 14 de outubro de 2017

O pós-capitalismo particular de Mahatma Gandhi



Previu os desastres da alienação do trabalho, do consumismo, do maltrato aos animais. Defendeu uma vida frugal para todos e uma nova democracia, com controle social

Débora Nunes* | Outras Palavras

Há uma bela viagem a fazer com Mahatma Gandhi: acompanhá-lo em sua crítica ao capitalismo e sua proposta de uma sociedade pós-capitalista, a partir da evolução da consciência humana. Nem que seja uma viagem bem curta, apenas à sua premonitória visão ecológica sobre os desastres que o capitalismo promoveria, por ter sido feita no início do século 20, antes da existência da sociedade consumista de massas.  Quem me conduziu anos atrás nessa viagem foi o professor Jeevan Kumar, que dirigiu por muitos anos o Centro de Estudos Gandhianos vinculado à Universidade de Bangalore (Índia), onde fiz o meu pós-doutorado.  É com Jeevan que saímos juntos para essa viagem breve.

Em sua visão integral acerca do desenvolvimento da teia da vida, Gandhi afirmava, tendo em vista o capitalismo: “uma sociedade em que os trabalhadores são tratados como máquinas, em que os animais são explorados cruelmente nas fazendas industriais e em que a atividade econômica leva à devastação da natureza não pode ser concebida como uma civilização”.

Na Índia, na primeira metade do século 20, Gandhi propunha a igualdade entre os sexos, a superação das castas e das divisões religiosas e a busca pessoal e coletiva por mais consciência, para construir uma sociedade humanizada que superasse o capitalismo. Ele dizia que “uma civilização, no sentido real do termo, consiste na redução voluntária de desejos, que promova felicidade e satisfação reais e aumente a capacidade de serviço”.

Para Gandhi, o caminho até essa civilização demandaria um processo de baixo para cima, com condições educacionais e econômicas para a participação de todas as pessoas, criando instituições locais, regionais e nacionais abertas ao que chamamos hoje de “controle social” [nota da redação: vale a pena olhar o pensamento de Gandhi vis a vis o de Rosa Luxemburgo, clicando aqui. Ambos foram contemporâneos, ele nasceu em 1869 e ela em 1871, embora talvez nunca tenham ouvido falar um do outro]. Tal civilização deveria garantir também (quanta atualidade!) que “os representantes eleitos se comprometam com os princípios de transparência, veracidade e responsabilidade”.

No tempo de Gandhi, vários defensores do socialismo acreditavam que ele seria construído a partir de uma revolução na qual a fonte dos males, a propriedade privada, seria extinta. Um governo operário de uma sociedade sem propriedade construiria então um mundo justo para todos. Não foi bem assim. As mudanças sociais e econômicas não foram acompanhadas de uma evolução das consciências e o desejo de predominância sobre os demais foi uma das causas dos desvios do projeto socialista, no socialismo real, que combateu apenas os efeitos desse desejo.

Gandhi entendia a necessidade de coerência e foi isso que exprimiu em sua frase mais famosa: “nós precisamos ser a mudança que queremos ver”. Para superar o capitalismo e seus efeitos perversos para os humanos e a Natureza, seria bom seguir os conselhos do velho e bom Mahatma.

* Débora Nunes é arquiteta,doutora em Urbanismo, com pós doutorado em Extensão Universitária pela Universidade Lumière Lyon II (2008) e em História das Cidades e Cidades do Futuro pela Bangalore University, India (2015). É coordenadora da Escola de Sustentabilidade Integral e professora titular da Universidade do Estado da Bahia, no Curso de Urbanismo. Autora dos livros Os Novos Coletivos Cidadãos (2014), com Ivan Maltcheff; Incubação de Empreendimentos de Economia Solidária (2009) e Pedagogia da Participação - Trabalhando com Comunidades (2002 e 2006).

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