Economista
e deputado à Assembleia Nacional, Fernando Heitor é um dos mais destacados
parlamentares da UNITA. Nesta conversa a O PAIS, realça que o Governo reagiu
mal à crise económica e financeira que Angola vive, assim como à adopção da
desdolarização. O que se vive hoje no país, em termos económicos e sociais, e
resultado das daquilo que foi adoptado pelo Governo, que , segundo Fernando
Heitor, reagiu com medo aos problemas que o país enfrenta actualmente.
O
que achas desta crise que o país atravessa?
Deixa-me
primeiro agradecer a sua amabilidade e do vosso jornal, O PAÍS que de resto é o
melhor jornal que a gente tem na nossa terra. De facto, o país não está mesmo
bom em três dimensões. Na dimensão financeira por causa da crise causada pela
queda brusca do preço do petróleo, que arrastou consigo a crise económica e a
crise sócio-política.
E
a crise financeira surge mais por causa do laxismo do nosso do Exeutivo, que
quando o país conheceu o boom depois dos primeiros anos do período de paz, os
lucros e os excedentes, as receitas avultadas que nós conseguimos porque
apanhamos uma boa maré do mercado internacional, no que concerne ao petróleo.
Está-se
a referir ao período em que o petróleo esteve acima dos 100 dólares?
Exactamente.
O petróleo esteve acima dos 100 dólares e a produção interna aumentou.
Portanto, há dois factores: um é a quantidade produzida e o outro é o preço.
Tivemos a sorte de neste período ter um mercado internacional favorável ao
petróleo, com o preço alto, e também o mercado interno de produção também
bastante favorável porque não havia muitos constrangimentos na produção
petrolífera.
Isto
provocou-nos o arrecadar de valores avultados em cambiais, dólares dos Estados
Unidos da América, o que nos fez criar reservas que espantaram muitos países do
mundo, principalmente os países do G-7. Chegamos a atingir como nunca aconteceu
antes reservas internacionais líquidas que nos permitiam fazer importações
acima dos oito meses.
Em
termos comparativos, estes rankings são importantes, porque um país que tem
reservas internacionais líquidas que lhe permitem importar à vontade durante
seis ou mais meses, isto é óptimo. A tal ponto que nós também nos demos ao luxo
de criar vários fundos, um dos quais Fundo Soberano. Só com muito dinheiro você
avança para a criação destes fundos.
Nesta
altura, perdoe-me a imodéstia, já eu falava e insistia muito nisso, inclusive
em conferências que dei lá fora em Portugal e Inglaterra, na necessidade de
apostar noutros sectores que são privilegiados. Deus abençoou-nos, deu a Angola
um potencial imenso num conjunto de áreas. Não só na área dos recursos
minerais, mas também na agricultura, na pecuária, na silvicultura. Não
precisamos de apostar em todos, mas era preciso procurar a diversificação da
economia como se diz hoje. E não era preciso que naquela altura fosse no todo,
porque na agricultura havia um handicap.
A
desminagem?
Sim.
Grande parte da terra arável estava minada. Mas podia-se apostar noutros
sectores.
Quais
deveriam ser as prioridades a nível da diversificação?
Uma
das apostas bem feitas –porque também temos que ter a honestidade intelectual
para o dizer, embora estejamos na oposição – foi a reconstrução das
infraestruturas rodoviárias. Durante a guerra o país estava dividido em duas ou
quatro partes e as pessoas não podiam transitar para outras.
Portanto,
era necessário ligar o país de Cabinda ao Cunene e do mar ao Leste. Isso foi
feito. Só que foi feito de forma não totalmente boa. A reabilitação das
estradas não foi feita em qualidade, mas sim em quantidade. A preocupação maior
foi de quilómetros quadrados de asfalto.
Descurou-se
a qualidade no seu ponto de vista?
Descurou-se
a qualidade de tal modo que você tem visto todos os anos que as estradas
nacionais e provinciais ficam esburacadas. Mas isso é um outro aspecto. Se se
tivesse tomado medidas preventivas e de visão de futuro, não um futuro de longo
prazo, mas sim de médio prazo, considerando que o petróleo entra ciclicamente
em crise desde os anos 60, 70, 80….
Inclusive
nos anos 2000. Sim. O petróleo não é uma comodite estável no mercado
internacional. Tem uma volatilidade no seu preço que é de bradar os céus. E
qualquer governante deve saber que apostar só no petróleo não é prudente.
Tem
riscos, estamos agora a sentir e já os sentimos em 1980 e agora com maior
acutilância. É evidente que um país que depende tanto dos cambiais resultantes
da venda do petróleo, que é o único produto de exportação que nos garante
cambiais, porque os diamantes que nos poderiam também garantir alguns cambiais
não garantem. Há aí algum acordo qualquer com os generais e uma evasão fiscal
no sector diamantífero que é impressionante. Nem dá para acreditar. Portanto,
Angola depende quase que exclusivamente de cambiais do petróleo. Baixou de
produção, sabe que a nossa meta ideal é a produção de dois milhões de barris
por dia e nunca lá chegamos.
O
preço caiu de forma drástica em mais de 50 por cento. Em termos de cambiais
para um país como o nosso, que tudo ou quase tudo, acima de 75 por cento do seu
consumo em bens e serviços vem do exterior, tem que ser pago em dólares, o
sector económico ficou em crise também. Portanto, a crise actual é uma crise
financeira e económica.
Começou
do dinheiro, das finanças, dos cambiais e agora é económica e sócio-política,
porque o desemprego aumentou, os salários estão congelados. Não obstante, todos
os outros preços de que o ser humano precisa para reproduzir a sua força de
trabalho e não só sobem, mas sobem em espiral.
Temos
uma taxa de inflação que já vai nos 14 por cento, que são dois dígitos. Temos
uma taxa de câmbio infernal. Portanto, o senhor jornalista e eu que dependemos
em mais de 75 por cento do mercado externo precisamos de dólares, porque o
arroz que você consome, a carne, a manteiga e outros produtos são importados.
Nós
indirectamente pagamos também em dólares, estamos quase a chegar ao sufoco. Nós
, os da classe média, porque a classe mais desfavorecida já está no sufoco.
Depois a medidas que se tomam, não sei se me vais perguntar mais tarde, porque
estou a responder muito extensivamente a esta pergunta.
Havia
alternativas face à alteração do orçamental do Executivo tendo em conta a queda
brusca do preço do petróleo? Há sempre alternativas. O Governo depois reage de
uma forma desesperada qual criança apanhada a comer os bolinhos que a mamã
escondeu.
Pode
explicar melhor?
O
Governo reage de uma forma tão nervosa, amedrontada que enerva o mercado. Se se
lembra dos discursos do Chefe do Executivo e dos outros ministros quando
começou-se a sentir que o preço do petróleo estava baixar. Isso enervou
tremendamente o mercado, concretamente o sector bancário. De tal forma que o
sector bancário, que de facto são empresas, começou-se a escudar do dólar.
Muito
dos dólares que o Governo e o Banco Central depois veio à ribalta dizer que
‘continuamos a injectar dólares no mercado’, a quantidade de dólares no mercado
continua a ser mais ou menos a mesma. Começaram a sumir. Você mesmo com conta
bancária com dólares ou euros nos bancos não pode levantar, há restrições no
levantamento. Hoje então há quase uma restrição total.
O
que está a dizer é que tudo foi causado pela forma como o Executivo está a
lidar com a crise?
Exactamente.
Os empresários começaram a se refugiar no dólar, principalmente no sector
bancário. É a única forma para eles terem lucros. O nosso sector financeiro
deixou de ocupar o seu papel principal de intermediação financeira.
Há
dias, o governador do Banco Nacional de Angola, José Pedro de Morais, disse que
a falta de dólares no mercado deve ser imputado aos bancos comerciais. Então é
verdade?
É
isso o que estou a dizer. E esta postura dos bancos, que é uma postura
defensiva, começou-se a notar já a partir do ano passado. Por que quando há
crise é a altura em que devemos ter serenidade, que os líderes devem ser os
mais serenos. Nem sequer precisamos de ir à Biblía. Jesus Cristo, quando os
seus discípulos estavam no barco, o mar bravo e eles a chamarem: ‘mestre,
mestre’, ele disse: ‘tenham calma’.
Portanto,
o líder não pode mostrar que está mais assustado que os seus discípulos. É
claro que a economia tem variáveis objectivas e subjectivas. Os dirigentes
esquecem-se da componente subjectiva que é muito forte. A componente subjectiva
é provocada pelas pessoas. As pessoas têm reacções várias e múltiplas. Procuram
defender-se, ninguém quer morrer à fome, à sede ou às escuras. As pessoas
buscam alternativas. Os políticos muitas vezes só se lembram das pessoas quando
é para conquistar votos.
É
no nosso?
É
no nosso caso sim, mas também nos outros países. Por isso é que os tecnocratas
são necessários. O problema é que no nosso país os tecnocratas que estão lá ao
serviço do governo são um tanto quanto cobardes, desonestos do ponto de vista
intelectual e têm medo de perder os seus lugares.
A
economia é um exercício de verdade, não se esconde. Os factos económicos não se
escondem, não se fintam, resolvem-se. Quando você vai esconder isso porque o
dirigente político não quer receber más notícias, só vais transmitir aquilo que
os chefes políticos querem ouvir, mais tarde a bolha rebenta e você está
tramado como tecnocrata. Um tecnocrata – e você sabe que também sou embora ao
serviço dos políticos – deve ser o mais rigoroso a fazer leituras e a
transmiti-las ao Chefe. E dar vários cenários: o bom, óptimo e o razoável.
Quando
tivemos a crise do petróleo em 2007-2008, muitos tecnocratas diziam que Angola
não seria abalada e depois vimos o contrário. Não será receio sobretudo numa
fase tão complicada como a que estamos a viver?
O
técnico tem que fazer leituras prudentes e rigorosas. A realidade é a realidade
e transmiti-las e apresentar sinais de soluções. Portanto, nem oito nem 80. Na
altura, atrasaram-se a anunciar a crise e disseram que Angola estava imune.
Há
algum país do mundo que está imune da crise. Nem a Coreia do Norte que anda lá
isolada no seu cantinho, mas ainda assim sofre das sanções. Não há nenhum país
do mundo que se pode sentir completamente autosuficiente. Nem que tenha
reservas internacionais líquidas como a China, que é o país com mais reservas
do mundo.
Os
países relacionam-se do ponto de vista político, comercial e financeiro. Agora,
também quando há crise, você como Chefe de Estado, líder ou político não pode
vir mais assustado do que toda a gente. Você provoca com isso um nervosismo
tremendo no mercado. E os empresários são astutos, sobretudo os que estão bem
posicionados. Ninguém quer perder dinheiro.
No
inicio desta conversa disse que Angola tinha reservas líquidas que até
surpreendeu alguns países do G-7. Neste momento, o país está em condições de
garantir seis meses de importação de produtos?
Eles
dizem que anda por aí.
Mas
eu pergunto ao deputado Fernando Heitor?
Eu
acho que não. Acho que a estratégia de visibilidade internacional que tem sido
levada a cabo pelo Executivo é muito onerosa e está-se a apostar por aí.
Continua a ser mantida, de tal forma que as reservas internacionais que são
quase consideradas sagradas diminuíram e teve que se tirar algum dinheiro. Mas
ainda estão a um nível razoável.
Fala-se
em 25 mil milhões de dólares. Sabe disso?
Dava
para importar seis meses, mas antigamente dava para mais. Agora dá para
importar por aí cinco ou seis meses, mas com importações mais baixas. Antes, as
importações estavam livres, você fartou-se de ver o dólar a caminhar. Você ia
comprar bombó com ginguba e pagava em dólares se não tinha Kwanzas. Eu na
altura também já tinha alertado que a economia estava dolarizada de uma forma
estúpida.
Mas
houve um processo de desdolarização da economia. Não surtiu efeitos?
Mas
o processo de desdolarização começou tarde. Você habitou o angolano, depois da
paz, a usar e a abusar do dólar. De tal forma que o cidadão estrangeiro que estava
cá ficava perplexo como é que é possível? Estes tipos ou são muito ricos e têm
muitos dólares, mais que muitos países do mundo, ou são tolos? Escrevi crónicas
sobre isso, alertei em vários debates na Assembleia Nacional.
Você
ia a qualquer país africano, Namíbia, Zâmbia, África e o dólar não pode
circular ou andar no bolso das pessoas para comprar chupa-chupa! O dólar é
cambiado no banco e tem circuitos próprios, porque o dólar é uma moeda de
reserva por excelência e que todos os países do mundo aceitam. Você quer
comprar bens e serviços em qualquer país do mundo tem que utilizar o dólar. Ou
outra moeda convertível como o Euro, a libra, o franco suíço.
E
o yuan?
Yuan?
O yuan não é aceite em qualquer lado. Então, o dólar é uma moeda que você não
pode permitir que o povo utilize para transações minúsculas e locais. As
transações nacionais têm que ser feitas na moeda nacional. O Executivo levou
tempo a entender isto. Muita gente enriqueceu a utilizar o dólar no mercado
paralelo.
Até
as mulheres camponesas punham os seus bancos aÍ na rua, começavam a agitar as
notas e você ia lá cambiar. Quer dizer que o dólar tinha circulação livre e no
mercado informal. É um comportamento de lesa-pátria, uma atitude criminosa do
ponto de vista económico. Foram sempre cometidos estas atoardas económicas,
asneiras, erros de palmatória e a economia não perdoa. Quantos milhares de
dólares o país perdeu por esta via?
Quantas
centenas de milhões de dólares foram desbaratados por esta via? O acordo
monetário entre Angola e a China tem razão de ser ou é um escape à escassez de
dólares?
Não
tem razão de ser coisa nenhuma. É muito cedo. Vai ser uma relação desigual. A
China é um portentado, é a segunda maior economia do mundo. Produz e exporta
quase tudo. Estamos a falar de bens transformados e não a produção de
matérias-primas. O que é que nós produzimos e exportamos de bens transformados?
Que indústria é que nós temos? Como é que você vai permitir que a moeda chinesa
entre cá e o Kwanza possa entrar lá? Quem é a que beneficia?
A
relação de força como é que fica? A China trás os yuans e compra aqui tudo o
que quiser. E depois? O que é que vamos vender lá? É uma relação de troca
desigual. Depois os yuans vão ter que ser devolvidos em dólares e os Kwanzas
também, se calhar. Onde é que vão sair os dólares? É evidente que os chineses
podem comprar tudo o que existe aqui. Essa via rápida, a partir de Viana até lá
em baixo, todas aquelas empresas são quase todas chinesas. Pode ser que por
trás haja um ou dois angolanitos, mas a maior percentagem do capital é chinês.
Há inclusive o China Town.
Parecem
existir já duas China Towns ou não?
Há
duas? Haverão mais em Angola. Se permitirmos que o Yuan entre aqui, os chineses
como têm biliões e biliões compram o que quiserem. Se permites a entrada livre
da moeda deles, então acabou tudo. E o chinês não tem problemas de acomodação.
O chinês adapta-se melhor do que o português fazia no tempo colonial. Eles
podem ter só um senão em termos de reprodução.
Do
ponto de vista político e ideológico sou de centro-esquerda.
Ainda
não viu alguns sino-angolanos?
Está
bem, mas o português veio com uma força incrível. Também há problemas culturais
aqui, as nossas mulheres aceitam menos os chineses. Agora já devem estar a
aceitar por causa da crise. Depois vamos ver os Yuans a serem vendidos nas ruas
como foram vendidos os dólares e a dependência mantem-se. O ciclo vicioso da
dependência poderá deixar de ser o dólar e passará a ser do Yuan.
As
soluções imediatistas não resolvem. Quando há crises é preciso que o sábios se
sentem, analisem e definam qual é o melhor caminho, pesando bem os prós e os
contras, custos e benefícios. Não é com medidas destas de inspiração
instantânea, como se tivesse dormido ontem, pegou o sono e acordou hoje. Somos
24 ou 25 milhões de pessoas aqui, através de estatísticas um bocado mal feitas,
mas somos mais. É preciso ter muito cuidado.
Em
2015, o preço do barril do petróleo esteve acima das metas orçamentais, mas
agora estamos um pouco acima dos 30 dólares. É necessário um orçamento
retificativo?
Para
lhe ser franco, sim e não.
Sim
e não? Por quê?
Se
nos próximos dois meses, a oscilação do preço do petróleo não ultrapassar os 35
ou 36 dólares por barril, e não se aproximar dos 40, que é não é o valor
orçamental, então é preciso rever o orçamento. Os próximos dois meses seriam
Março e Abril. Mas ou menos a meio do ano se não houver tendência a de o preço
chegar chegar a 40 ou passar um bocadinho, então convém alterar o orçamento. Se
a tendência for de chegar perto dos 40 dólares, então não vale a pena mexer.
A
Moddys diz que o preço poderá estar cifrado a nível dos 29 dólares. O que acha
disso?
Não
nos vamos precipitar. Mexer num orçamento por causa de uma diferença de 10 ou
de cinco paus também tem custos. Não só a fazer o orçamento, mas também as
expectativas que se goram. É preciso ter cuidado. Mas se o preço do petróleo
continuar a não passar dos 35, ter tendência decrescente até Maio ou Junho, é
preciso depois no segundo semestre fazer a revisão do orçamento.
Concordará
comigo que é preciso manter o Estado social no país?
É
óbvio.
Onde
é que o Executivo poderá buscar receitas para manter os projectos socais que
conhecemos?
Você
fez uma pergunta inicial no sentido afirmativo e concordo consigo. O Estado, na
minha opinião porque sou de centro esquerda, sou um discípulo económico do
keynesianismo. Não sou dos Adam Smith ou da Escola de Chicago. Do ponto de
vista político e ideológico sou do centro-esquerda. Não sou nem comunista nem
das direitas, etc.
Para
mim, o Estado tem que manter o seu papel fundamental na defesa das classes mais
desfavorecidas. O Estado social é importante. Um Estado que procura a
solidariedade, algum equilíbrio na base e a partir daí há uns que estudaram
mais, mais fiéis, mais empreendedores ou criativos que avançam. Tornam-se ricos
ou muito ricos.
Há
uns mais chico-espertos que vão roubando por aí, desviando o erário público ou
fazendo as suas confusões. Mas tem que haver uma base em que o cidadão possa
viver com dignidade. O Estado social ao fim e ao cabo é isso. Não pode haver
extremamente pobres e extremamente ricos.
Mas
onde é que o Estado vai buscar as receitas para manter o Estado social?
O
Estado vai buscar as receitas no combate acérrimo, tolerância zero à corrupção.
Aí já consegue algum dinheiro. A Tolerância Zero que o próprio Presidente da
República já declarou há vastos anos. Depois tens mais: o combate ao
despesismo, aos gastos sumptuosos, as obras ostentatórias. As pirâmides, tipo
que estamos no Egipto no tempo dos Faraós.
Temos
que ir aí nas obras descartáveis, fiscalizar melhor as obras públicas. As obras
públicas são um bebedouro de dinheiro que é uma coisa incrível. Torram dinheiro
que é uma coisa incrível. Estas estradas ou pontes mal feitas depois voltam ao
mesmo empreiteiro para fazer de novo. E de novo a mesma rua do Cazenga, Viana,
Maculusso ou Rangel, é um sorvedouro de dinheiro. É a mesma coisa sempre e
sempre.
Quando
é que a tua rua foi intervencionada pela última vez. Passei pelo vosso portão e
vi que cavaram recentemente?
A
minha rua é nova, mas estão sempre a cavar. Ora porque se esqueceram do cabo
eléctrico ou tubo de água. Já tínhamos água aqui, mas agora porque estão a
abrir para meter mais um tubo de água. A nós nunca nos faltou água há cinco
anos. Você toma banho nos chuveiros nos anexos, para não falar da casa grande.
Os chuveiros agora não têm um pouco de água. Pensávamos que era para colocar
estes cabos de internet. Se calhar o administrador anterior não anunciou ao
novo que nesta zona toda há cinco ou seis anos que nunca faltou água.
Onde
é que o Governo deve cortar as despesas?
Se
cortarem as viagens, nas embaixadas consulares vai-se buscar algum dinheiro.
Angola é dos países em África com mais representações internacionais, mais do
que a África do Sul. Está certo isto? Mais do que a Nigéria, está certo isto?
Tens embaixadas em países em que o Presidente deles nem sequer sabe onde é que
fica Angola. As nossas embaixadas lá fora funcionam em instituições que tem que
se ter cuidado, em palácios. As residências dos nossos embaixadores, não estou
contra isso, acho que têm que ter condições de habitação e de trabalho. É
preciso tanta gente em tantos países do mundo a gastar do erário público? Você
acha que é preciso uma província ter dois vice-governadores ou três? Para fazer
o quê agora que estamos em crise?
Acha
que o Governo deveria emagrecer?
Claro.
O Executivo tem uma gordura incrível. O Executivo angolano é obeso. É de uma
obesidade que dá pena, por isso é tão lento a reagir perante as situações
periclitantes ou alarmantes. Depois tem um Presidente que centraliza o poder
real. Ele é o titular do poder Executivo e os outros são auxiliares dele.
Quer
dizer que qualquer um dos nossos ministros é auxiliar do titular do poder
executivo. E eles dizem mesmo isso sempre cedo para gente não se esquecer. Quer
dizer que o poder está todo centralizado. Qual é a coragem que um governador do
Huambo, Cunene ou de qualquer outra província tem para tomar sem informar os
donos do poder? Ele fica com medo. Tem que mandar primeiro o email para o
Presidente, mas não sei se o Presidente recebe email ou não?
Até
a carta chegar o problema já rebentou e a solução já está atrasada. Já tem que
se arranjar uma outra. A forma como está estruturado o Executivo e a quantidade
de pessoas que nele funcionam complica a resolução dos problemas.
Torna
morosa. É muita burocracia. E você sabe que a burocracia é um dos principais
inimigos da eficiência e da eficácia. Há problemas que exigem solução rápida.
Eu, sinceramente, com o devido respeito que todos eles me merecem,
especialmente os governadores e também os ministros, não estou a ver nenhum
ministro ousado, capaz de lá longe na província tomar uma decisão e depois
informar ao Presidente que ‘o problema é este e já decidi’. Mentira, primeiro
informam o Presidente e depois o Presidente e os seus colaboradores gizam a
solução e dizem faz assim ou assado!
A
retirada dos subsídios dos combustíveis e a cobrança do Imposto Predial Urbano
(IPU) são medidas acertadas?
Vamos
por parte: como você sabe, os subsídios estavam com um preço subsidiado.
Obrigavam o Estado a fazer um esforço financeiro enormíssimo em que estavam em
causa biliões de dólares, se quiser. O que quer dizer triliões de Kwanzas ou
mil milhões de Kwanzas.
Também
é preciso que se diga que estávamos a pagar o preço dos combustíveis muito
baixo, mesmo sendo produtores de petróleo. A classe menos favorecida, a maioria
da população, não estava a ser favorecida. Nós mesmo da classe média é que
estávamos a beneficiar mais, temos carros topo de gama V8, V 6 e funcionais.
Os
comerciantes que enchiam os bidões, contrabandistas, iam vender nas fronteiras.
Os combustíveis que você mete nos bidões são subsidiados e vais vender nas
fronteiras. Mas era necessário fazer a actualização ou subida dos preços, mas o
problema não está na intenção de subir. O problema está na forma como se faz a
subida. Você olha para um doente e diagnostica uma doença: uma malária.
Entrevista
de Dani Costa – O País - fotos de Daniel Miguel
Leia
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