terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Angola. Fernando Heitor: “A crise surgiu por causa do laxismo do Executivo” - entrevista



Economista e deputado à Assembleia Nacional, Fernando Heitor é um dos mais destacados parlamentares da UNITA. Nesta conversa a O PAIS, realça que o Governo reagiu mal à crise económica e financeira que Angola vive, assim como à adopção da desdolarização. O que se vive hoje no país, em termos económicos e sociais, e resultado das daquilo que foi adoptado pelo Governo, que , segundo Fernando Heitor, reagiu com medo aos problemas que o país enfrenta actualmente.

O que achas desta crise que o país atravessa?

Deixa-me primeiro agradecer a sua amabilidade e do vosso jornal, O PAÍS que de resto é o melhor jornal que a gente tem na nossa terra. De facto, o país não está mesmo bom em três dimensões. Na dimensão financeira por causa da crise causada pela queda brusca do preço do petróleo, que arrastou consigo a crise económica e a crise sócio-política.

E a crise financeira surge mais por causa do laxismo do nosso do Exeutivo, que quando o país conheceu o boom depois dos primeiros anos do período de paz, os lucros e os excedentes, as receitas avultadas que nós conseguimos porque apanhamos uma boa maré do mercado internacional, no que concerne ao petróleo.

Está-se a referir ao período em que o petróleo esteve acima dos 100 dólares?

Exactamente. O petróleo esteve acima dos 100 dólares e a produção interna aumentou. Portanto, há dois factores: um é a quantidade produzida e o outro é o preço. Tivemos a sorte de neste período ter um mercado internacional favorável ao petróleo, com o preço alto, e também o mercado interno de produção também bastante favorável porque não havia muitos constrangimentos na produção petrolífera.

Isto provocou-nos o arrecadar de valores avultados em cambiais, dólares dos Estados Unidos da América, o que nos fez criar reservas que espantaram muitos países do mundo, principalmente os países do G-7. Chegamos a atingir como nunca aconteceu antes reservas internacionais líquidas que nos permitiam fazer importações acima dos oito meses.

Em termos comparativos, estes rankings são importantes, porque um país que tem reservas internacionais líquidas que lhe permitem importar à vontade durante seis ou mais meses, isto é óptimo. A tal ponto que nós também nos demos ao luxo de criar vários fundos, um dos quais Fundo Soberano. Só com muito dinheiro você avança para a criação destes fundos.

Nesta altura, perdoe-me a imodéstia, já eu falava e insistia muito nisso, inclusive em conferências que dei lá fora em Portugal e Inglaterra, na necessidade de apostar noutros sectores que são privilegiados. Deus abençoou-nos, deu a Angola um potencial imenso num conjunto de áreas. Não só na área dos recursos minerais, mas também na agricultura, na pecuária, na silvicultura. Não precisamos de apostar em todos, mas era preciso procurar a diversificação da economia como se diz hoje. E não era preciso que naquela altura fosse no todo, porque na agricultura havia um handicap.

A desminagem?

Sim. Grande parte da terra arável estava minada. Mas podia-se apostar noutros sectores.

Quais deveriam ser as prioridades a nível da diversificação?

Uma das apostas bem feitas –porque também temos que ter a honestidade intelectual para o dizer, embora estejamos na oposição – foi a reconstrução das infraestruturas rodoviárias. Durante a guerra o país estava dividido em duas ou quatro partes e as pessoas não podiam transitar para outras.

Portanto, era necessário ligar o país de Cabinda ao Cunene e do mar ao Leste. Isso foi feito. Só que foi feito de forma não totalmente boa. A reabilitação das estradas não foi feita em qualidade, mas sim em quantidade. A preocupação maior foi de quilómetros quadrados de asfalto.

Descurou-se a qualidade no seu ponto de vista?

Descurou-se a qualidade de tal modo que você tem visto todos os anos que as estradas nacionais e provinciais ficam esburacadas. Mas isso é um outro aspecto. Se se tivesse tomado medidas preventivas e de visão de futuro, não um futuro de longo prazo, mas sim de médio prazo, considerando que o petróleo entra ciclicamente em crise desde os anos 60, 70, 80….

Inclusive nos anos 2000. Sim. O petróleo não é uma comodite estável no mercado internacional. Tem uma volatilidade no seu preço que é de bradar os céus. E qualquer governante deve saber que apostar só no petróleo não é prudente.

Tem riscos, estamos agora a sentir e já os sentimos em 1980 e agora com maior acutilância. É evidente que um país que depende tanto dos cambiais resultantes da venda do petróleo, que é o único produto de exportação que nos garante cambiais, porque os diamantes que nos poderiam também garantir alguns cambiais não garantem. Há aí algum acordo qualquer com os generais e uma evasão fiscal no sector diamantífero que é impressionante. Nem dá para acreditar. Portanto, Angola depende quase que exclusivamente de cambiais do petróleo. Baixou de produção, sabe que a nossa meta ideal é a produção de dois milhões de barris por dia e nunca lá chegamos.

O preço caiu de forma drástica em mais de 50 por cento. Em termos de cambiais para um país como o nosso, que tudo ou quase tudo, acima de 75 por cento do seu consumo em bens e serviços vem do exterior, tem que ser pago em dólares, o sector económico ficou em crise também. Portanto, a crise actual é uma crise financeira e económica.

Começou do dinheiro, das finanças, dos cambiais e agora é económica e sócio-política, porque o desemprego aumentou, os salários estão congelados. Não obstante, todos os outros preços de que o ser humano precisa para reproduzir a sua força de trabalho e não só sobem, mas sobem em espiral.

Temos uma taxa de inflação que já vai nos 14 por cento, que são dois dígitos. Temos uma taxa de câmbio infernal. Portanto, o senhor jornalista e eu que dependemos em mais de 75 por cento do mercado externo precisamos de dólares, porque o arroz que você consome, a carne, a manteiga e outros produtos são importados.

Nós indirectamente pagamos também em dólares, estamos quase a chegar ao sufoco. Nós , os da classe média, porque a classe mais desfavorecida já está no sufoco. Depois a medidas que se tomam, não sei se me vais perguntar mais tarde, porque estou a responder muito extensivamente a esta pergunta.

Havia alternativas face à alteração do orçamental do Executivo tendo em conta a queda brusca do preço do petróleo? Há sempre alternativas. O Governo depois reage de uma forma desesperada qual criança apanhada a comer os bolinhos que a mamã escondeu.

Pode explicar melhor?

O Governo reage de uma forma tão nervosa, amedrontada que enerva o mercado. Se se lembra dos discursos do Chefe do Executivo e dos outros ministros quando começou-se a sentir que o preço do petróleo estava baixar. Isso enervou tremendamente o mercado, concretamente o sector bancário. De tal forma que o sector bancário, que de facto são empresas, começou-se a escudar do dólar.

Muito dos dólares que o Governo e o Banco Central depois veio à ribalta dizer que ‘continuamos a injectar dólares no mercado’, a quantidade de dólares no mercado continua a ser mais ou menos a mesma. Começaram a sumir. Você mesmo com conta bancária com dólares ou euros nos bancos não pode levantar, há restrições no levantamento. Hoje então há quase uma restrição total.

O que está a dizer é que tudo foi causado pela forma como o Executivo está a lidar com a crise?

Exactamente. Os empresários começaram a se refugiar no dólar, principalmente no sector bancário. É a única forma para eles terem lucros. O nosso sector financeiro deixou de ocupar o seu papel principal de intermediação financeira.

Há dias, o governador do Banco Nacional de Angola, José Pedro de Morais, disse que a falta de dólares no mercado deve ser imputado aos bancos comerciais. Então é verdade?

É isso o que estou a dizer. E esta postura dos bancos, que é uma postura defensiva, começou-se a notar já a partir do ano passado. Por que quando há crise é a altura em que devemos ter serenidade, que os líderes devem ser os mais serenos. Nem sequer precisamos de ir à Biblía. Jesus Cristo, quando os seus discípulos estavam no barco, o mar bravo e eles a chamarem: ‘mestre, mestre’, ele disse: ‘tenham calma’.

Portanto, o líder não pode mostrar que está mais assustado que os seus discípulos. É claro que a economia tem variáveis objectivas e subjectivas. Os dirigentes esquecem-se da componente subjectiva que é muito forte. A componente subjectiva é provocada pelas pessoas. As pessoas têm reacções várias e múltiplas. Procuram defender-se, ninguém quer morrer à fome, à sede ou às escuras. As pessoas buscam alternativas. Os políticos muitas vezes só se lembram das pessoas quando é para conquistar votos.

É no nosso?

É no nosso caso sim, mas também nos outros países. Por isso é que os tecnocratas são necessários. O problema é que no nosso país os tecnocratas que estão lá ao serviço do governo são um tanto quanto cobardes, desonestos do ponto de vista intelectual e têm medo de perder os seus lugares.

A economia é um exercício de verdade, não se esconde. Os factos económicos não se escondem, não se fintam, resolvem-se. Quando você vai esconder isso porque o dirigente político não quer receber más notícias, só vais transmitir aquilo que os chefes políticos querem ouvir, mais tarde a bolha rebenta e você está tramado como tecnocrata. Um tecnocrata – e você sabe que também sou embora ao serviço dos políticos – deve ser o mais rigoroso a fazer leituras e a transmiti-las ao Chefe. E dar vários cenários: o bom, óptimo e o razoável.

Quando tivemos a crise do petróleo em 2007-2008, muitos tecnocratas diziam que Angola não seria abalada e depois vimos o contrário. Não será receio sobretudo numa fase tão complicada como a que estamos a viver?

O técnico tem que fazer leituras prudentes e rigorosas. A realidade é a realidade e transmiti-las e apresentar sinais de soluções. Portanto, nem oito nem 80. Na altura, atrasaram-se a anunciar a crise e disseram que Angola estava imune.

Há algum país do mundo que está imune da crise. Nem a Coreia do Norte que anda lá isolada no seu cantinho, mas ainda assim sofre das sanções. Não há nenhum país do mundo que se pode sentir completamente autosuficiente. Nem que tenha reservas internacionais líquidas como a China, que é o país com mais reservas do mundo.

Os países relacionam-se do ponto de vista político, comercial e financeiro. Agora, também quando há crise, você como Chefe de Estado, líder ou político não pode vir mais assustado do que toda a gente. Você provoca com isso um nervosismo tremendo no mercado. E os empresários são astutos, sobretudo os que estão bem posicionados. Ninguém quer perder dinheiro.

No inicio desta conversa disse que Angola tinha reservas líquidas que até surpreendeu alguns países do G-7. Neste momento, o país está em condições de garantir seis meses de importação de produtos?

Eles dizem que anda por aí.

Mas eu pergunto ao deputado Fernando Heitor?

Eu acho que não. Acho que a estratégia de visibilidade internacional que tem sido levada a cabo pelo Executivo é muito onerosa e está-se a apostar por aí. Continua a ser mantida, de tal forma que as reservas internacionais que são quase consideradas sagradas diminuíram e teve que se tirar algum dinheiro. Mas ainda estão a um nível razoável.

Fala-se em 25 mil milhões de dólares. Sabe disso?

Dava para importar seis meses, mas antigamente dava para mais. Agora dá para importar por aí cinco ou seis meses, mas com importações mais baixas. Antes, as importações estavam livres, você fartou-se de ver o dólar a caminhar. Você ia comprar bombó com ginguba e pagava em dólares se não tinha Kwanzas. Eu na altura também já tinha alertado que a economia estava dolarizada de uma forma estúpida.

Mas houve um processo de desdolarização da economia. Não surtiu efeitos?

Mas o processo de desdolarização começou tarde. Você habitou o angolano, depois da paz, a usar e a abusar do dólar. De tal forma que o cidadão estrangeiro que estava cá ficava perplexo como é que é possível? Estes tipos ou são muito ricos e têm muitos dólares, mais que muitos países do mundo, ou são tolos? Escrevi crónicas sobre isso, alertei em vários debates na Assembleia Nacional.

Você ia a qualquer país africano, Namíbia, Zâmbia, África e o dólar não pode circular ou andar no bolso das pessoas para comprar chupa-chupa! O dólar é cambiado no banco e tem circuitos próprios, porque o dólar é uma moeda de reserva por excelência e que todos os países do mundo aceitam. Você quer comprar bens e serviços em qualquer país do mundo tem que utilizar o dólar. Ou outra moeda convertível como o Euro, a libra, o franco suíço.

E o yuan?

Yuan? O yuan não é aceite em qualquer lado. Então, o dólar é uma moeda que você não pode permitir que o povo utilize para transações minúsculas e locais. As transações nacionais têm que ser feitas na moeda nacional. O Executivo levou tempo a entender isto. Muita gente enriqueceu a utilizar o dólar no mercado paralelo.

Até as mulheres camponesas punham os seus bancos aÍ na rua, começavam a agitar as notas e você ia lá cambiar. Quer dizer que o dólar tinha circulação livre e no mercado informal. É um comportamento de lesa-pátria, uma atitude criminosa do ponto de vista económico. Foram sempre cometidos estas atoardas económicas, asneiras, erros de palmatória e a economia não perdoa. Quantos milhares de dólares o país perdeu por esta via?

Quantas centenas de milhões de dólares foram desbaratados por esta via? O acordo monetário entre Angola e a China tem razão de ser ou é um escape à escassez de dólares?

Não tem razão de ser coisa nenhuma. É muito cedo. Vai ser uma relação desigual. A China é um portentado, é a segunda maior economia do mundo. Produz e exporta quase tudo. Estamos a falar de bens transformados e não a produção de matérias-primas. O que é que nós produzimos e exportamos de bens transformados? Que indústria é que nós temos? Como é que você vai permitir que a moeda chinesa entre cá e o Kwanza possa entrar lá? Quem é a que beneficia?

A relação de força como é que fica? A China trás os yuans e compra aqui tudo o que quiser. E depois? O que é que vamos vender lá? É uma relação de troca desigual. Depois os yuans vão ter que ser devolvidos em dólares e os Kwanzas também, se calhar. Onde é que vão sair os dólares? É evidente que os chineses podem comprar tudo o que existe aqui. Essa via rápida, a partir de Viana até lá em baixo, todas aquelas empresas são quase todas chinesas. Pode ser que por trás haja um ou dois angolanitos, mas a maior percentagem do capital é chinês. Há inclusive o China Town.

Parecem existir já duas China Towns ou não?

Há duas? Haverão mais em Angola. Se permitirmos que o Yuan entre aqui, os chineses como têm biliões e biliões compram o que quiserem. Se permites a entrada livre da moeda deles, então acabou tudo. E o chinês não tem problemas de acomodação. O chinês adapta-se melhor do que o português fazia no tempo colonial. Eles podem ter só um senão em termos de reprodução.

Do ponto de vista político e ideológico sou de centro-esquerda.

Ainda não viu alguns sino-angolanos?

Está bem, mas o português veio com uma força incrível. Também há problemas culturais aqui, as nossas mulheres aceitam menos os chineses. Agora já devem estar a aceitar por causa da crise. Depois vamos ver os Yuans a serem vendidos nas ruas como foram vendidos os dólares e a dependência mantem-se. O ciclo vicioso da dependência poderá deixar de ser o dólar e passará a ser do Yuan.

As soluções imediatistas não resolvem. Quando há crises é preciso que o sábios se sentem, analisem e definam qual é o melhor caminho, pesando bem os prós e os contras, custos e benefícios. Não é com medidas destas de inspiração instantânea, como se tivesse dormido ontem, pegou o sono e acordou hoje. Somos 24 ou 25 milhões de pessoas aqui, através de estatísticas um bocado mal feitas, mas somos mais. É preciso ter muito cuidado.

Em 2015, o preço do barril do petróleo esteve acima das metas orçamentais, mas agora estamos um pouco acima dos 30 dólares. É necessário um orçamento retificativo?

Para lhe ser franco, sim e não.

Sim e não? Por quê?

Se nos próximos dois meses, a oscilação do preço do petróleo não ultrapassar os 35 ou 36 dólares por barril, e não se aproximar dos 40, que é não é o valor orçamental, então é preciso rever o orçamento. Os próximos dois meses seriam Março e Abril. Mas ou menos a meio do ano se não houver tendência a de o preço chegar chegar a 40 ou passar um bocadinho, então convém alterar o orçamento. Se a tendência for de chegar perto dos 40 dólares, então não vale a pena mexer.

A Moddys diz que o preço poderá estar cifrado a nível dos 29 dólares. O que acha disso?

Não nos vamos precipitar. Mexer num orçamento por causa de uma diferença de 10 ou de cinco paus também tem custos. Não só a fazer o orçamento, mas também as expectativas que se goram. É preciso ter cuidado. Mas se o preço do petróleo continuar a não passar dos 35, ter tendência decrescente até Maio ou Junho, é preciso depois no segundo semestre fazer a revisão do orçamento.

Concordará comigo que é preciso manter o Estado social no país?

É óbvio.

Onde é que o Executivo poderá buscar receitas para manter os projectos socais que conhecemos?

Você fez uma pergunta inicial no sentido afirmativo e concordo consigo. O Estado, na minha opinião porque sou de centro esquerda, sou um discípulo económico do keynesianismo. Não sou dos Adam Smith ou da Escola de Chicago. Do ponto de vista político e ideológico sou do centro-esquerda. Não sou nem comunista nem das direitas, etc.

Para mim, o Estado tem que manter o seu papel fundamental na defesa das classes mais desfavorecidas. O Estado social é importante. Um Estado que procura a solidariedade, algum equilíbrio na base e a partir daí há uns que estudaram mais, mais fiéis, mais empreendedores ou criativos que avançam. Tornam-se ricos ou muito ricos.

Há uns mais chico-espertos que vão roubando por aí, desviando o erário público ou fazendo as suas confusões. Mas tem que haver uma base em que o cidadão possa viver com dignidade. O Estado social ao fim e ao cabo é isso. Não pode haver extremamente pobres e extremamente ricos.

Mas onde é que o Estado vai buscar as receitas para manter o Estado social?

O Estado vai buscar as receitas no combate acérrimo, tolerância zero à corrupção. Aí já consegue algum dinheiro. A Tolerância Zero que o próprio Presidente da República já declarou há vastos anos. Depois tens mais: o combate ao despesismo, aos gastos sumptuosos, as obras ostentatórias. As pirâmides, tipo que estamos no Egipto no tempo dos Faraós.

Temos que ir aí nas obras descartáveis, fiscalizar melhor as obras públicas. As obras públicas são um bebedouro de dinheiro que é uma coisa incrível. Torram dinheiro que é uma coisa incrível. Estas estradas ou pontes mal feitas depois voltam ao mesmo empreiteiro para fazer de novo. E de novo a mesma rua do Cazenga, Viana, Maculusso ou Rangel, é um sorvedouro de dinheiro. É a mesma coisa sempre e sempre.

Quando é que a tua rua foi intervencionada pela última vez. Passei pelo vosso portão e vi que cavaram recentemente?

A minha rua é nova, mas estão sempre a cavar. Ora porque se esqueceram do cabo eléctrico ou tubo de água. Já tínhamos água aqui, mas agora porque estão a abrir para meter mais um tubo de água. A nós nunca nos faltou água há cinco anos. Você toma banho nos chuveiros nos anexos, para não falar da casa grande. Os chuveiros agora não têm um pouco de água. Pensávamos que era para colocar estes cabos de internet. Se calhar o administrador anterior não anunciou ao novo que nesta zona toda há cinco ou seis anos que nunca faltou água.

Onde é que o Governo deve cortar as despesas?

Se cortarem as viagens, nas embaixadas consulares vai-se buscar algum dinheiro. Angola é dos países em África com mais representações internacionais, mais do que a África do Sul. Está certo isto? Mais do que a Nigéria, está certo isto? Tens embaixadas em países em que o Presidente deles nem sequer sabe onde é que fica Angola. As nossas embaixadas lá fora funcionam em instituições que tem que se ter cuidado, em palácios. As residências dos nossos embaixadores, não estou contra isso, acho que têm que ter condições de habitação e de trabalho. É preciso tanta gente em tantos países do mundo a gastar do erário público? Você acha que é preciso uma província ter dois vice-governadores ou três? Para fazer o quê agora que estamos em crise?

Acha que o Governo deveria emagrecer?

Claro. O Executivo tem uma gordura incrível. O Executivo angolano é obeso. É de uma obesidade que dá pena, por isso é tão lento a reagir perante as situações periclitantes ou alarmantes. Depois tem um Presidente que centraliza o poder real. Ele é o titular do poder Executivo e os outros são auxiliares dele.

Quer dizer que qualquer um dos nossos ministros é auxiliar do titular do poder executivo. E eles dizem mesmo isso sempre cedo para gente não se esquecer. Quer dizer que o poder está todo centralizado. Qual é a coragem que um governador do Huambo, Cunene ou de qualquer outra província tem para tomar sem informar os donos do poder? Ele fica com medo. Tem que mandar primeiro o email para o Presidente, mas não sei se o Presidente recebe email ou não?

Até a carta chegar o problema já rebentou e a solução já está atrasada. Já tem que se arranjar uma outra. A forma como está estruturado o Executivo e a quantidade de pessoas que nele funcionam complica a resolução dos problemas.

Torna morosa. É muita burocracia. E você sabe que a burocracia é um dos principais inimigos da eficiência e da eficácia. Há problemas que exigem solução rápida. Eu, sinceramente, com o devido respeito que todos eles me merecem, especialmente os governadores e também os ministros, não estou a ver nenhum ministro ousado, capaz de lá longe na província tomar uma decisão e depois informar ao Presidente que ‘o problema é este e já decidi’. Mentira, primeiro informam o Presidente e depois o Presidente e os seus colaboradores gizam a solução e dizem faz assim ou assado!

A retirada dos subsídios dos combustíveis e a cobrança do Imposto Predial Urbano (IPU) são medidas acertadas?

Vamos por parte: como você sabe, os subsídios estavam com um preço subsidiado. Obrigavam o Estado a fazer um esforço financeiro enormíssimo em que estavam em causa biliões de dólares, se quiser. O que quer dizer triliões de Kwanzas ou mil milhões de Kwanzas.

Também é preciso que se diga que estávamos a pagar o preço dos combustíveis muito baixo, mesmo sendo produtores de petróleo. A classe menos favorecida, a maioria da população, não estava a ser favorecida. Nós mesmo da classe média é que estávamos a beneficiar mais, temos carros topo de gama V8, V 6 e funcionais.

Os comerciantes que enchiam os bidões, contrabandistas, iam vender nas fronteiras. Os combustíveis que você mete nos bidões são subsidiados e vais vender nas fronteiras. Mas era necessário fazer a actualização ou subida dos preços, mas o problema não está na intenção de subir. O problema está na forma como se faz a subida. Você olha para um doente e diagnostica uma doença: uma malária.

Entrevista de Dani Costa – O País - fotos de Daniel Miguel

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